A carta de despedida que o
Imperador Vespasiano deixou para seu filho Tito (que o sucedeu no trono). Na
carta, para justificar a construção do Coliseu de Roma, ele indagava o
seguinte: “onde o povo prefere pousar seu clunis [sua bunda]: numa privada, num
banco escolar ou num estádio?”. A carta foi redigida em 22/7/79, ou seja, um
dia antes da morte do Imperador e há 1935 anos. Eis o seu teor:
“Tito, meu filho, estou morrendo. Logo eu serei pó e tu,
imperador. Espero que os deuses te ajudem nesta árdua tarefa, afastando as
tempestades e os inimigos, acalmando os vulcões e os jornalistas. De minha
parte, só o que posso fazer é dar-te um conselho: não pare a construção do
Colosseum. Em menos de um ano ele ficará pronto, dando-te muitas alegrias e
infinita memória. Alguns senadores o criticam, dizendo que deveríamos investir
em esgotos e escolas. Não dê ouvidos a esses poucos. Pensa: onde o povo prefere
pousar seu clunis [sua bunda]: numa privada, num banco de escola ou num
estádio? Num estádio, é claro. Será uma imensa propaganda para ti. Ele ficará
no coração de Roma por omnia saecula saeculorum [por todos os séculos] e sempre
que o olharem dirão: ‘Estás vendo este colosso? Foi Vespasiano quem o começou e
Tito quem o inaugurou’. Outra vantagem do Colosseum: ao erguê-lo, teremos
repassado dinheiro público aos nossos amigos construtores, que tanto nos ajudam
nos momentos de precisão. Moralistas e loucos dirão que mais certo seria
reformar as velhas arenas. Mas todos sabem que é melhor usar roupas novas que
remendadas. Vel caeco appareat (Até um cego vê isso). Portanto, deves construir
esse estádio em Roma. Enfim, meu filho, desejo-te sorte e deixo-te uma frase:
Ad captandum vulgus, panem et circenses (Para seduzir o povo, pão e circo).
Esperarei por ti ao lado de Júpiter.”
Para seduzir o povo, “pão e circo”. Onde falta o pão (economia
desaquecida, PIB fraco, inflação alta etc.), o circo vira confusão e chingação
(é isso o que vimos nos estádios quando anunciavam a presença de políticos). O
povo, furibundo, irado, indignado, já não pousa seu traseiro (seu clunis) nos estádios, ao menos
não faz isso com satisfação. Tampouco o povo brasileiro se distingue pela bunda
no banco escolar. A escolaridade média no Brasil (diz o relatório de 2014 do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) é de 7,2 anos de estudo, a
mesma que Kuwait e Zimbábue. A expectativa para a escolaridade das crianças que
hoje estão na escola é estimada em 15,2 anos, igual a Montenegro e Irã. Que
resta, então, ao brasileiro desgostoso? Colocar a bunda na privada. Alguns
brasileiros fazem isso diariamente. Mas somente alguns! Como assim?
O vice-secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU),
Jan Eliasson, surpreendeu o mundo todo no dia 29/4/13 ao anunciar que, dos mais
de sete bilhões de habitantes do planeta, a quase totalidade têm telefone
celular, mas apenas 4,5 bilhões possuem acesso a locais adequados para defecar.
Cerca de 2,5 bilhões de pessoas, majoritariamente em áreas rurais, não possuem
saneamento básico. O mundo está saturado com uma abundância de telefones
celulares (que, hoje, já passaram de 7 bilhões), mas precisa desesperadamente
de mais latrinas. Tem gente segurando papel higiênico ou qualquer outro papel
em uma das mãos e um telefone celular na outra, procurando encontrar uma
latrina com seu GPS (sistema de posicionamento global). Desgraçadamente, muitas
vezes o aparelho informa que a latrina mais próxima está a cinco quilômetros de
distância. Mais de um bilhão de pessoas (das 2,5 bilhões que carecem de
saneamento adequado) não têm outra opção a não ser defecar ao ar livre [nos
campos, florestas ou mares], detalhou Eliasson. O povo, como se vê, prefere
mesmo é colocar a bunda em lugar nenhum: ele gosta de ficar em pé, com a cabeça
curvada, de olho nas minúsculas letras dos celulares, dedilhando-as sem parar,
muitas vezes em busca de uma latrina (PS: agradeço José Ademar pelo envio da
carta de Vespasiano).